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O mundo mediado por obras de arte

  • Foto do escritor: Flávia Tronca
    Flávia Tronca
  • 8 de out.
  • 2 min de leitura

A obra "Le déjeuner sur l’herbe" traz uma cena ao ar livre, mas Victorine não posou em outros espaços além do ateliê de Manet. Ele não era um artista que montava seu equipamento nas margens de rios ou montanhas, como outros. Manet dedicava seu tempo a pesquisas em museus e lojas de gravuras, sem relacionar-se diretamente com a natureza.



Dentro do ateliê, Manet trabalhava, cercado por suas referências. As paredes mostravam suas obras recentes, que retratavam situações do cotidiano, como piqueniques e figuras femininas. Ele se entregava plenamente ao processo criativo, imerso em sua exploração.



Neste ateliê, estabelecia-se uma relação entre artista e modelo que desafiava os limites da estética da época. Manet focava na condição social e na identidade feminina. A busca pela luz tornava-se uma parte essencial dessa nova linguagem, marcando um momento transformador na história da arte. Manet não apenas representava imagens, mas questionava ideias, construindo um caminho para o futuro da pintura.


Eduard Manet passou a incluir outros modelos em "Le déjeuner sur l’herbe". Próximo a Victorine, estava seu irmão Gustave e Ferdinand, irmão de Suzanne Leenhoff, com 21 anos. Ao fundo, havia outra figura feminina, uma jovem à beira do rio, que possivelmente era também Victorine. A composição de imagens apresentava um nu sentado, um bosque e um córrego. A escolha das imagens e a estrutura da obra não ocorreram por acaso.


Museé D'Orsay, Paris. Acervo pessoal
Museé D'Orsay, Paris. Acervo pessoal

Manet direcionou Gustave a se inclinar, como se estivesse em um terreno inclinado, flexionando a perna direita, apoiando o peso do corpo no cotovelo e estendendo o braço em direção a Victorine. Essa pose remetia claramente à imagem de Adão na "Criação de Adão" de Michelangelo, pintada no teto da Capela Sistina em 1511. Na obra, Deus dá vida a Adão com um toque.



Durante suas visitas a Roma, Manet teve contato com a obra de Michelangelo, mas a pose de Gustave não surgiu apenas desse contato. A inspiração veio, também, de uma obra de Rafael, contemporâneo de Michelangelo, que reinterpretou a pose em "O Julgamento de Paris", realizada por volta de 1518. Nesta pintura, Rafael inverteu e incorporou a imagem, criando uma nova temática.



Assim, "Le déjeuner sur l’herbe" se tornou um espaço de encontro entre diferentes períodos da arte. Manet não apenas revisitava poses célebres, mas também estabelecia uma conexão entre seu tempo e os clássicos. Essa escolha transformou a representação da figura feminina e as interações entre os personagens, permitindo um pensamento mais amplo sobre os contextos histórico e social. A obra de Manet, ao lembrar mestres do passado, não buscava apenas a repetição, mas a reinvenção.



De modo espirituoso, ele trouxe para seu presente a cena de Rafael. Enquanto a figura feminina estava nua, seus amigos eram representados vestindo trajes luxuosos da moda do Segundo Império. Essa cena moderna lembrava muito as obras realistas de Courbet. Manet, que já havia adaptado e copiado temas de antigos mestres, nunca havia sido tão explícito. Ele não apenas se apropriou de ideias ou estratégias dos mestres antigos, mas transformou uma cena mitológica da Renascença, especificamente a gravura de Rafael "O Julgamento de Paris", em um quadro expressivo retratando parisienses despreocupados de maneira ousada. Isso certamente desafiaria a reverência à Rafael por parte dos pintores e membros conservadores da Académie des Beaux-Arts.



Flávia Zambon Tronca


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