Entre Viena e Paris - A Vida e a Influência de Berta Zuckerkandl
- Flávia Tronca
- 9 de set.
- 9 min de leitura
Atualizado: 7 de out.
PARTE I
Berta Zuckerkandl é uma mulher fascinante do cenário cultural europeu do final do século XIX e início do século XX. Vamos nos debruçar aqui sobre sua vida multifacetada e suas contribuições à modernização cultural e social de Viena.
Durante sessenta anos, Zuckerkandl transitou entre as duas cidades, onde a França se apresentou não apenas como fonte de inspiração, mas como um modelo de desenvolvimento artístico, político e cultural.

Desde a infância, Berta foi influenciada por seu pai, que alimentou seu amor pela cultura francesa.
Este inclinação francófila arquitetou sua trajetória, levando-a a acreditar na importância de uma aliança franco-austríaca, uma causa que se dedicou a promover ao longo de sua vida. A prática do jornalismo e sua atuação como salonnière — uma anfitriã de encontros intelectuais e artísticos — permitiram a Zuckerkandl cultivar uma rede de relacionamentos que transcendeu as barreiras de gênero da época.
Revela-se aqui a habilidade de Zuckerkandl em transformar seu salão em um espaço vital de intercâmbio cultural, onde se discutiam ideias inovadoras em um ambiente que favorecia a modernidade. Suas interações com figuras ilustres do seu tempo atraíam a elite intelectual, evidenciando não apenas sua astúcia política, mas também a qualidade de seus convidados.
O relato de contemporâneos e a correspondência que sobreviveram destacam a originalidade de
sua abordagem e a dinâmica única que configurou suas reuniões.

PARTE II
Uma das maiores conquistas de Zuckerkandl foi conseguir expressar-se em um mundo dominado por normas bourgeoises que limitavam a voz feminina. Sua ousadia em se afirmar entre personalidades marcantes da época não foi apenas uma questão de presença social, mas de engajamento genuíno nas discussões que transformavam seu tempo. Zuckerkandl foi uma verdadeira catalisadora de ideias, gerando debates que atraíam seus convidados de volta a cada semana, subvertendo assim as expectativas de seu papel na sociedade.
O impacto da profissão de Berta Zuckerkandl no jornalismo é inegável, pois, por meio dela, ele se posicionou frente às transformações sociais, políticas e artísticas que marcaram a transição de um século. Sua descoberta do poder conferido pela crítica de arte, especialmente após conhecer figuras influentes como Georges Clemenceau, o combativo político e primeiro-ministro francês conhecido como "O Tigre", e Paul Geffroy, um escritor e crítico de arte defensor do Impressionismo, foi fundamental para seu desenvolvimento como uma das vozes proeminentes de sua época.
Ambiciosa e inspiradora, a vida de Zuckerkandl é um testemunho do poder da cultura como agente de transformação, refletindo a influência significativa que esses intelectuais exerceram na política e na arte da França no início do século XX.
PARTE III
A vida e a obra de Berta Zuckerkandl são indissociáveis do efervescente cenário artístico de Paris e Viena do início do século XX. Em sua trajetória, as amizades e conexões que estabeleceu na capital francesa delinearam suas escolhas de escrita e sua carreira como crítica de arte. Este aspecto é central para entender não apenas sua importância como intelectual, mas também seu papel como uma das principais defensoras do modernismo na Áustria.
Zuckerkandl frequentemente tecia relatos de suas visitas a ateliês e diálogos com artistas em seus artigos, utilizando essas experiências para dar substância e credibilidade a seus escritos. Embora a veracidade de algumas de suas citações e encontros possa ser questionada, não resta dúvida de que esse estilo de narrativa a diferenciou de seus contemporâneos, cimentando sua posição como especialista em modernidade francesa. Sem suas vivências em Paris, é improvável que Zuckerkandl tivesse se vinculado de maneira tão profunda ao movimento secessionista vienense, do qual se tornaria uma das principais patrocinadoras.
Seus artigos são considerados documentos fundamentais para a compreensão da evolução da Secessão austríaca, um movimento artístico e cultural que emergiu em Viena no início do século XX, caracterizado pela rejeição às tradições acadêmicas e pela busca de novas formas de expressão e estética na arte e no design. Eles revelam não apenas a estrutura do movimento, mas também como ele enfrentou a resistência do público e conseguiu destacar suas produções no contexto artístico europeu.

A análise crítica da obra de Zuckerkandl mostra que, embora ela tenha escrito extensivamente sobre o Jugendstil—a arte e o design que surgiram na Europa, especialmente na Alemanha e na Áustria, no final do século XIX e início do XX, denominado assim em referência à revista "Jugend"—suas expectativas em relação à Secessão austríaca e sua tentativa de guiar o desenvolvimento artístico em sua terra natal tornam-se evidentes, evidenciando sua influência no panorama artístico da época.
Para ela, o Art Nouveau representava a estética ideal para a inovação artística e a modernização de Viena, graças à sua capacidade de integrar todas as esferas da vida cotidiana. No entanto, essa defesa apaixonada do Jugendstil acabou resultando em uma exclusividade que dificultou sua adaptação às transformações do cenário artístico que se aproximavam.
À medida que o Jugendstil foi sendo eclipsado pelo expressionismo, especialmente antes da Primeira Guerra Mundial, a produção de Zuckerkandl começou a declinar, coincidindo com o fechamento da Wiener Moderne, um movimento cultural e artístico que floresceu em Viena, Áustria, do final do século XIX até cerca de 1910, abrangendo diversas áreas como artes plásticas, arquitetura, literatura, música e ciência, e associado a um período de intensa inovação e modernização na cidade. Apesar de sua relevância ter diminuído, a estética do Jugendstil permanece viva, simbolizando até hoje a modernidade e a identidade austríaca no panorama artístico.
Revela-se aqui não apenas o papel fundamental que desempenhou como crítica de arte, mas também como uma das vozes que ajudaram a transformar e a defender a modernidade em Viena.
Sua obra, embora enfrentando desafios de relevância, continua a se propagar na história da arte, destacando a complexidade das relações entre movimentos artísticos e a produção cultural de seu tempo.

A análise de sua escrita e de suas experiências oferece uma visão importante sobre o potencial da crítica de arte como um meio de influenciar e documentar o desenvolvimento cultural, solidificando assim o legado de Zuckerkandl como uma figura central na história da arte austríaca.
Uma das chaves para sua fluência nesse intercâmbio foi a conexão estabelecida por meio de sua irmã, que facilitou a comunicação e o diálogo entre Viena e Paris. Essa relação não apenas contribuiu para a popularidade de Zuckerkandl, mas também transformou seu salão em um local de referência, onde visitantes franceses podiam desfrutar de suas habilidades como intérprete e guia. Embora outras redes de contato entre as duas cidades existissem, a de Zuckerkandl se destacou por sua solidez e abrangência, tornando-se a mais solicitada e respeitada.
Uma das características que torna Zuckerkandl uma figura singular é sua independência em relação a interesses comerciais ou políticos. Ela possuía a liberdade necessária para promover a modernidade artística de forma autêntica e genuína. Em um contexto em que a maioria dos intercâmbios estava atrelada a convenções comerciais, Zuckerkandl brilhou como uma intermediária livre, trabalhando para difundir a arte de ambos os lados da fronteira sem as amarras de interesses externos. Isso a tornou uma mediadora singular no campo das relações culturais.
Embora estivesse inserida no ambiente da Secessão, Zuckerkandl operou fora de suas fronteiras institucionais, permitindo que os artistas secessionistas viessem a conquistar espaço e reconhecimento por seus próprios méritos na cena europeia. Seu trabalho foi, em grande parte, o de proporcionar plataformas para que eles pudessem se expressar e, assim, destacar suas obras. Zuckerkandl se envolveu ativamente quando o assunto eram artistas que ela venerava, como o pintor Jules Bastien-Lepage e o escultor Auguste Rodin. Para ela, esses ícones eram não apenas importantes para o reconhecimento artístico em Viena, mas essenciais para a consolidação da modernidade na Europa.
PARTE IV
Berta Zuckerkandl, uma mulher notável capaz de atuar como uma ponte entre dois dos mais importantes centros artísticos da época. Sua influência se estendeu além do âmbito pessoal e individual; ela interferiu e transformou a cena artística austríaca de tal maneira que suas contribuições ainda são reconhecidas e valorizadas.
Zuckerkandl não é apenas uma figura histórica, mas um verdadeiro símbolo da troca cultural, demonstrando o poder e a importância das conexões humanas na arte e na modernidade.
A análise das relações artísticas entre a França e a Áustria durante o final do século XIX e início do século XX revela um panorama repleto de potenciais, mas marcado por limitações significativas, especialmente no que tange à exportação da arte austríaca e ao interesse que os artistas franceses demonstraram por seus pares vienenses. Berta Zuckerkandl, em sua posição como crítica e mediadora cultural, sobressaiu na tentativa de superar tais barreiras, mas os resultados de seus esforços, bem como os de seus colegas e dos secessionistas, foram, em última análise, modestos.
Embora Viena possuísse as condições ideais para fomentar trocas artísticas — como uma importante tradição cultural e um ambiente criativo — o desenvolvimento do Jugendstil austríaco destacou-se mais pela influência da versão alemã do Art Nouveau do que pela forma francesa do movimento. O Jugendstil surgiu em um momento em que a busca por um "caráter nacional" nas produções artísticas europeias se intensificava, destacando as particularidades culturais dos povos dentro do Império Austro-Húngaro.

PARTE V
A apropriação de estilos como o naturalismo, impressionismo e simbolismo na Áustria não se traduziu em uma verdadeira reciprocidade cultural. Dentro desse contexto, os críticos de arte desempenharam um papel importante como mediadores das questões de imitação e originalidade. Zuckerkandl, em particular, se empenhou na tipificação do Jugendstil, alinhando seu discurso com os secessionistas, que buscaram orientar seu movimento a partir das particularidades e da diversidade cultural austríaca. Essa abordagem refletia um movimento de resistência contra a crescente internacionalização das artes, mas ao mesmo tempo, resultou em uma certa insularidade.
Ademais, a adesão dos artistas austríacos ao expressionismo alemão após a Primeira Guerra Mundial, em detrimento de movimentos avant-garde como o fauvismo, o cubismo e o dadaísmo, exemplifica ainda mais essa limitação na troca cultural. Apesar desses estilos vanguardistas terem sido apresentados em Viena, os artistas locais pareciam não se interessar por eles, preferindo expressar suas angústias e sentimentos de desintegração social através do expressionismo, que se propaga mais profundamente com sua experiência emocional e contextos culturais.
Portanto, a contribuição de Zuckerkandl e os intercâmbios franco-austríacos ilumina um aspecto essencial da história da arte na Europa: a complexidade das interações culturais que, apesar de seu potencial, encontraram obstáculos geográficos e culturais. A trajetória de Berta Zuckerkandl e o desenvolvimento do Jugendstil austríaco sublinham não apenas as tentações e os desafios do intercâmbio artístico, mas também a busca da identidade nacional em um mundo em rápida transformação. A partir de seu trabalho, Zuckerkandl representa o trabalho pela modernidade em um contexto que muitas vezes se revelou resistente às influências externas, deixando uma marca que ainda é investigada e apreciada na história da arte.
PARTE VI
A trajetória de Berta Zuckerkandl é um exemplo notável do envolvimento intelectual e cultural durante um período turbulento da história europeia. Ao se fixar na busca identitária da Áustria, especialmente diante das tensões políticas e sociais que caracterizavam o início do século XX, Zuckerkandl sobressai como uma figura de resistência e idealismo, contrabalançando as forças autoritárias e nacionalistas que ameaçavam submergir o legado cultural austríaco.

Integrante da Wiener Moderne, Zuckerkandl não procurou a fama ou o reconhecimento individual típico de uma carreira profissional tradicional. Em vez disso, dedicou sua vida a servir aspirações mais altas: a defesa da liberdade intelectual, a resistência ao autoritarismo e a promoção de intercâmbios culturais, principalmente com a França. Este compromisso se torna ainda mais relevante em um contexto em que Viena era vista como um microcosmos de um império dividido, repleto de dissensões e incertezas.

Zuckerkandl reconheceu que a preservação da cultura austríaca necessitava de uma abertura para o mundo, o que implica em um diálogo amplo e frutífero com a Europa e, em particular, com a França, sua grande fonte de inspiração. Em um ambiente marcado pela sensação de fim de época, onde rivalidades e divisões pareciam esmagar qualquer possibilidade de sonho, sua visão idealista a impulsionou a agir em prol de sua pátria, mesmo diante de desafios que muitas vezes a superavam.
O legado de Berta Zuckerkandl transcende sua conexão particular com a França; ela representa um ideal europeu em construção, simbolizando um dinamismo resiliente que buscou unir culturas e promover valores universais em tempos de crise. Sua identidade, marcada pela origem judaica e por uma forte assimilação, revela a complexidade de sua historia: Zuckerkandl era uma liberal, francófila e, acima de tudo, uma fervorosa defensora da cultura e das virtudes da Áustria.
Embora a Primeira Guerra Mundial não tenha conseguido deter seus esforços, o segundo conflito mundial trouxe desafios insuperáveis que limitaram suas iniciativas. Apesar disso, sua vida e obra permanecem como um farol de idealismo e compromisso cultural, reverberando a importância da troca e da solidariedade em um continente que ainda hoje busca se reconstruir a partir de suas próprias complicações históricas.










































Um aspecto interessante e que nos faz refletir sobre esse relato da vida de
Berta Zuckerkandl é a força cultural de um país como a Áustria.
Apesar de todos os esforços de Zuckerkandl no sentido de trazer a influência principalmente francesa para as artes, entre os séculos XIX e XX, a cultura austro-alemã permaneceu predominante.
Como jornalista e, sobretudo, através da desfesa do Jugendstil (Jugend=juventude), Berta com certeza influenciou na busca por modernidade nas artes e também na integração destas na vida cotidiana de seu país. Ressaltam-se aqui a sua liberdade de expressão como crítica de arte, sua neutralidade em relação aos aspectos comerciais e políticos da época e também o seu amor pelo estilo francês.
Com certeza, uma das…
"Gostei muito da matéria Flávia, Parabéns! Eu só conhecia esta personagem Bertha pelo quadro do Klimt. Foi ótimo conhecê-la melhor e saber da sua importância na história da Arte e Cultura da Áustria." - (Via whatsapp - Cleonice Largura)
Berta Zuckerkandl (1864-1945) foi uma figura influente na cultura e no pensamento europeus do início do século XX, especialmente nas áreas de arte, ciência e literatura. Ela é frequentemente lembrada por seu papel como intelectual, escritora e por seu envolvimento em diversos círculos culturais da época.